dia nacional de combate ao abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes

hoje, dia 18 de maio, é o dia nacional de combate ao abuso e a exploração sexual de crianças e adolescentes e por saber que muitos TPB foram abusados sexualmente na infância, posto sobre isto hoje:


ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES:

MITOS e FATOS

Dra. Miriam Tetelbom

Médica psiquiatra de crianças adolescentes e terapeuta de família 
É surpreendente o número de mulheres adultas que buscam ajuda por problemas psicológicos que sofreram abuso sexual na infância. Vinte, trinta, quarenta anos depois experienciam muito medo e ansiedade ao falar sobre o ocorrido, como se tivesse sido ontem. O segredo, a dor, a solidão, a vergonha e a dificuldade de contar com ajuda na época são evidentes. A associação com o sentimento de angústia e depressão atuais é inequívoca. Nesse sentido, o papel do profissional que trabalha com crianças e adolescentes é de imensurável importância ao ser capaz de intervir no estabelecimento de uma moléstia de tal cronicidade e morbidade. A idéia deste texto é aumentar as ferramentas do pediatra na detecção de casos.

1. mito: "Incesto é raro"

De fato, pode ocorrer em até 10% das famílias. Na prática, os casos de abuso sexual perpetrado por um adulto conhecido, seja pai/padrasto ou aquele que está na posição de poder equivalente em relação à criança são os mais freqüentes e mais desafiadores. Ocorrem em segredo. Começam lentamente através de sedução sutil, passando a mostrar revistas, vídeos pornográficos até a comportamentos cada vez mais invasivos (carícias íntimas, masturbação e penetração). Esse processo pode levar anos, freqüentemente começando aos 6, 7 anos de idade e indo até o início da adolescência. Como isso é feito com "carinho" (o abusador tem vínculo com a criança) raramente deixa lesões fisicas como hematomas, sangramentos ou lacerações. Isto dificulta a comprovação legal do abuso. A criança se pergunta como alguém em quem ela confia, que gosta dela, cuida-a e teoricamente se preocupa com ela, pode ter atitudes que são tão erradas para com ela. Sente-se confusa, perdida. As ameaças do abusador de que se a criança revelar o ocorrido "mamãe ficará desolada", "a família se esfacelará" e "que não acreditarão nela", entre outras, faz com que a criança se cale. Também as ameaças de morte por parte do adulto abusador a paralisam e silenciam.

Embora a maioria das vítimas sejam meninas, não é inexpressivo o número de meninos vitimizados. Estes têm vergonha de falar que foram abusados por medo de serem alvo de questionamento quanto a sua masculinidade.

A maioria dos abusadores é do sexo masculino, mas as mulheres também abusam sexualmente de crianças e adolescentes (como em casos de meninos que relatam uma iniciação sexual na infância com uma pessoa conhecida bem mais velha com orgulho de que tiveram uma iniciação sexual cedo!).

2. mito: "Abuso sexual ocorre somente em classes sociais menos privilegiadas"

Esses são os casos que mais chegam ao conhecimento das autoridades. Porém, é comum em todos os grupos socioeconômicos, educacionais, religiosos, étnicos e culturais.

3. mito: "O relato de crianças sobre abuso sexual é produto de fantasia infantil"

De fato, as crianças não podem relatar aquilo do qual não tenham conhecimento ou que não tenham vivenciado. Dos casos denunciados apenas uma minúscula percentagem trata-se de relatos falsos.

Tratam-se de situações de crianças ou adolescentes com transtorno de conduta severo. Também sob coação as crianças podem omitir informações em relação ao abuso. Isto ocorre quando os pais estão em brigas severas ou disputas judiciais em relação à custódia e visitas e a criança é coagida por um deles. Por outro lado, a criança que está psicótica pode dizer que foi abusada e isso deve ser extensivamente investigado. Primeiro que ela apresentará vários outros sintomas que suscitará a hipótese de psicose.

Segundo, podem ter sido realmente abusadas como referem ou terem sido expostas a material pornográfico ou a ver relações sexuais (situações também abusivas). Tratam-se de casos difíceis que assim como as demais suspeitas de abuso sexual acabam tomando muito tempo e dedicação dos profissionais envolvidos.

Outro ponto interessante é que a criança abusada vai contar da sua experiência do abuso com suas próprias palavras, de criança, e de acordo com o seu nível de desenvolvimento cognitivo, usando os termos que usa para denominar os órgãos genitais. Ela não vai facilitar a avaliação usando os palavras que esperaríamos. O medo e a vergonha também fazem com que a entrevista seja bastante difícil.

O profissional que avalia deve ter extremo cuidado para não direcionar a entrevista como: "você foi abusada ou não?" Isso pode deixar a criança mais retraída e com medo de falar. Também pode induzir a criança a dar a resposta esperada pelo entrevistador, o que tira o valor da avaliação.

Perguntas abertas, não diretivas, são mais úteis. A avaliação dos hábitos da vida diária é muito útil nessas situações. O cotejamento dos cuidados com a criança e o desenvolvimento motor e psicológico e nível de independência esperado para a idade pode ser útil na avaliação de um caso suspeito. Por exemplo: "com quem dorme a criança, quem fica com ela durante o dia, quem coloca a roupa nela, quem dá banho nela?..." "Quando a criança está apta a vestir-se sozinha, tomar banho sozinha?, etc."

Na entrevista é importante que a criança se sinta o mais confortável quanto possível. Estarão sendo abordados assuntos muito dolorosos, pessoais e difíceis para ela. Colocar-se a uma distância próxima mas não invasiva pode ser útil.

Em termos de tratamento para a criança abusada, o único indubitavelmente eficaz é a interrupção do abuso: cessar o dano. Por isso que para a criança é imprescindível que o profissional acredite e valide o seu relato!

4. mito: "O comportamento sedutor da criança e do adolescente justifica que o adulto tenha abusado dele(a), já que ele(a) solicitou esta aproximação sexual do adulto"

O comportamento sedutor é normal na criança e no adolescente, e pode se intensificar em conseqüência do abuso. Este argumento é freqüentemente utilizado pelos abusadores para justificarem sua atitude de agressão, controle e poder sobre as crianças ("ela estava pedindo", "colocou aquela roupa para me provocar"). Os adultos são sempre responsáveis pelo seu comportamento com crianças e adolescentes.

A criança é normalmente sedutora com os adultos, especialmente com os do sexo oposto, na chamada fase edípica (3 aos 5 anos), e na adolescência. A menina diz que é namorada do papai, é casada com o papai, quer um filho do papai, bem como o menino faz com a mãe. Porém, a criança de 3 anos não diz que quer ter relações sexuais com o genitor. O adolescente com o desabrochar da sexualidade não pede para ser masturbado ou masturbar ou ter relações sexuais com o adulto.

A criança abusada sexualmente aprende que esta é uma forma de ter atenção dos pessoas. Na grande maioria das vezes, as crianças abusadas são negligenciadas em várias áreas de suas vidas e, com freqüência, elas não têm outra forma de contato fisico com os cuidadores que não o abuso. Assim, registra que se utilizar da sedução vai ter mais atenção das pessoas. Acaba demonstrando um desenvolvimento sexual acima da média dos meninos e meninas de sua idade do seu meio social e no mesmo momento histórico. Outrossim, a criança ou adolescente pode, com esses comportamentos, atrair inadvertidamente respostas sexualizadas de outros adultos ou adolescentes e acabar se expondo a novas situações de abuso.

5. mito: "Não é bom que seja falado sobre o ocorrido para que o fato seja esquecido, o quanto antes, pela criança ou adolescente"

De fato, contrariamente à crença popular, eventos emocionalmente traumáticos, tais como o abuso, devem ser abordados o quanto antes, pois podem dar origem a problemas psicossociais, além de estarem associados a transtornos psiquiátricos.

O fato de se falar o quanto antes de eventos traumáticos, como abuso, desastre, assalto, perda, morte etc., auxilia a elaborar o ocorrido e a colocar o fato como um evento que faz parte da vida da pessoa.

Aquilo que aconteceu e que é tão terrível que não pode ser falado, toma uma proporção enorme e é mais difícil de ser elaborado como uma parte da vida. Segue, assim, interferindo em todas as áreas de funcionamento do indivíduo (escola, família, relacionamentos ... ). Faz com que a pessoa se retraia em outras áreas, como na busca de interação com familiares, amigos ou mesmo bloqueie-se, não "ousando" mais na escola, com dificuldades para adquirir conhecimento. Pode afetar o desenvolvimento psicológico mantendo a criança nas reações emocionais utilizadas para sobreviver à avassaladora agressão do abuso. Pode assim paralisar o desenvolvimento emocional e a evolução da aquisição progressiva de capacidades para resolver de forma independente os problemas do dia-a-dia da vida e lidar com suas próprias angústias, confiando cada vez mais em si.

Em termos de cuidados após o diagnóstico, e a intervenção de parar o abuso, pode ser útil que os cuidadores invistam em uma revisão geral da vida da criança, incluindo revisões médicas, escola (dificuldades escolares que possam estar ocorrendo) e ajudar a retomar o desenvolvimento da criança, cuidando para que o abuso não se torne no único assunto de agora em diante na vida da criança e da família. Estimular interações saudáveis e atividades adequadas ao nível de desenvolvimento, investimento em esportes e arte pode ajudara reconstruíra auto-estima, grupos de pessoas que passaram pelo mesmo problema.

6. mito: "Quando não tem lesões físicas, o abuso não deixa seqüelas"

De fato, abuso sexual na infância ou adolescência é um fator relevante na história da vida de homens e mulheres com problemas conjugais, psicossociais e transtornos psiquiátricos. O dano emocional ocorre e independe da presença da lesão física. Embora seja referido na literatura, é clinicamente difícil imaginar que uma pessoa que tenha sofrido abuso saia sem dano emocional algum! Pode apresentar sintomas como os relacionados a seguir.

a) Problemas no desenvolvimento da personalidade:

- sensação de impotência (medo e ansiedade associados);
- sentimento de traição (desconfiança, hostilidade e raiva nos relacionamentos);
- auto-acusação (vergonha, culpa e auto-desvalorização);
- baixa auto-estima;
- distorção da auto-imagem;
- dificuldades com a colocação de limites para si e na interação com os outros;
- confusão de papéis no relacionamento interpessoal.

b) Problemas do comportamento:

- comportamento sexual inapropriado para idade e nível de desenvolvimento (comparado com a média das crianças e adolescentes da mesma faixa etária e do mesmo meio sócio-cultural e no mesmo momento histórico); ou
- comportamento excessivamente sexualizado ou erotizado;
- promiscuidade sexual;
- prostituição;
- homossexualidade;
- disfunções sexuais;
- aversão a sexo;
- comportamento impulsivo (sexual, abuso de álcool/drogas);
- conduta auto-mutilatória (cortar-se, queimar-se, fincar-se, até tentativa de suicídio);
- fuga de casa;
- depressão;
- transtornos de conduta (mentira, roubo, violência física ou sexual, atear fogo, invadir propriedade);
- sintomas dissociativos (como amnésia) ou conversivos (sintomas sugerindo a presença de um problema médico na ausência de achados compatíveis, como crises parecendo epilepsia);
- isolamento afetivo (parece indiferente, anestesiada frente aos eventos da vida);
- dificuldade de aprendizagem;
- fobias;
- isolamento social;
- irritabilidade;
- ansiedade;
- transtornos do sono e da alimentação (como obesidade, anorexia, bulimia).

A presença desses sintomas em crianças e adolescentes é indício de que algum problema está acontecendo. Abuso sexual entra no diagnóstico diferencial e deve ser pensado como uma das hipóteses de um problema que pode estar acontecendo. Há algumas sugestões na literatura de que a presença de comportamento sexual inapropriado e conduta auto-mutilatória sejam sintomas mais associados ao abuso.

Complicações a médio prazo:

- abuso sexual de outras crianças (como por exemplo: irmãos, parentes ou colegas);
- comportamento vitimizante (expor-se a situações em que possa ser abusada, machucada ou explorada);
- comportamento sexual precoce ou repetir comportamento abusivo com geração seguinte (com seus próprios filhos, ou indivíduos em tal posição hierárquica - ou não tomando atitudes para interromper abuso que esteja ocorrendo);
- transtorno do stress pós-traumático e transtornos severos de personalidade (especialmente transtorno de personalidade borderline).

A evolução e as seqüelas na criança/adolescente que foi abusado variará dependendo de fatores como: idade da criança, duração do abuso, grau de coerção e de trauma físico (quanto maior a coerção e o trauma, pior a seqüela), relação com o perpetrador (se conhecido da criança, quanto mais próximo o perpetrador, pior) e maneira que o sistema lida e intervém sobre o abuso. O sistema também pode repetir, sem se dar conta, a experiência de abuso, ou sendo excessivamente invasivo, obrigando-se a revelar detalhes que ela não quer, fazendo exames fisicos na presença de várias pessoas ou na ausência de um familiar da confiança da criança, ou pode repetir o abuso omitindo-se em situações com evidências claras de abuso. Também a capacidade da mãe em apoiar a criança e não se deprimir severamente, ao mesmo tempo em que lida com a dor de ter uma filha que foi abusada, tem uma influência decisiva na evolução da criança.

Bibliografia:

1. Tetelbom, M. Abuso sexual em pediatria - consulta rápida de Pitrez PMC e cois. 2a ed. Porto Alegre: Artes Médicas; 1998.

2. Bee, H. O cicio vital. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997.

3. lmber-Biack, E. Segredos na família e na terapia familiar: uma visão geral. ln: lmber-Biack, E. Os segredos na família e na terapia familiar. Porto Alegre: Artes Médicas; 1994.

4. Tetelbom, M. A violência e a aprendizagem ou o aprendizado da violência. Boletim Científico da Sociedade de Pediatria do RS. Ano XVIII. N" 1, Janeiro/ Março 1999.

http://www.sprs.com.br/areacientificaabuso.htm

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

leve desabafo

Shiu!

esborço de uma relação